Dezenas de académicos judeus e israelitas alertam: boicote a Israel não é igual a anti-semitismo

Uma carta aberta de mais de 60 académicos judeus e israelitas, em vésperas da discussão no Bundestag de uma moção sobre o movimento BDS, alerta que não se pode confundir com anti-semitismo a crítica a Israel e às suas políticas antipalestinas.

Na sexta-feira passada o parlamento alemão aprovou uma moção que condena como sendo anti-semita o movimento BDS, que apela ao boicote, ao desinvestimento e às sanções como forma de pressão para que Israel ponha fim à ocupação da terra palestina, conceda direitos iguais aos cidadãos palestinos de Israel e reconheça o direito de retorno dos refugiados palestinos.

Trata-se de um avanço ameaçador, que se enquadra num movimento a nível mundial, e particularmente na União Europeia, para criminalizar toda a crítica às brutais políticas israelitas contra os palestinos e para amordaçar todas as vozes solidárias com a causa palestina.

Tanto maior é por isso a importância desta carta aberta, que recorda: «Muitos judeus e grupos israelitas apoiam explicitamente o BDS ou defendem o direito a apoiá-lo.» Os subscritores sublinham que se deve «protestar contra quaisquer declarações e actos anti-semitas — sejam eles de adeptos do BDS ou não. Mas o BDS enquanto tal não é anti-semita. Portanto, defendemos o direito de qualquer indivíduo ou organização a apoiá-lo.»

A carta aberta chama ainda a atenção para o facto de que a «equiparação do BDS com o anti-semitismo foi promovida pelo governo mais à direita da história de Israel. Faz parte dos persistentes esforços para deslegitimar qualquer discurso sobre os direitos dos palestinos e qualquer solidariedade internacional com os palestinos que sofrem a ocupação militar e uma severa discriminação.»

Pela sua importância, reproduzimos a seguir integralmente a carta aberta e a lista de subscritores (tradução MPPM).


APELO AOS PARTIDOS ALEMÃES PARA NÃO EQUIPARAREM BDS COM ANTI-SEMITISMO

Maio de 2019

Nós, académicos judeus e israelitas, muitos dos quais investigamos história judaica e anti-semitismo, expressamos preocupação com o aumento do anti-semitismo em todo o mundo, incluindo na Alemanha. Vemos todas as formas de racismo e fanatismo como uma ameaça que deve ser combatida e encorajamos o governo e o parlamento alemães a fazê-lo.

Ao mesmo tempo, queremos lançar um alerta para uma evolução paralela: a crescente tendência para rotular como anti-semitas os defensores dos direitos humanos dos palestinos.

Esta tendência está agora a crescer na Alemanha. Dois partidos alemães, o FDP e a AfD, apresentaram resoluções no Bundestag que equiparam o movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) com o anti-semitismo. Os partidos da coligação CDU/CSU e SPD estão a preparar uma resolução conjunta que também o faz. Esta amálgama é incorrecta, inaceitável, e uma ameaça à ordem liberal-democrática na Alemanha.

As opiniões sobre o BDS dos signatários desta declaração diferem significativamente: alguns podem apoiar o BDS, enquanto outros o rejeitam por diferentes razões. No entanto, todos nós rejeitamos a enganosa afirmação de que o BDS, enquanto tal, é anti-semita.

Uma pessoa deve ser considerada anti-semita apenas segundo o conteúdo e o contexto das suas palavras e acções e não segundo qualquer filiação institucional. Devemos protestar contra quaisquer declarações e actos anti-semitas — sejam eles de adeptos do BDS ou não. Mas o BDS enquanto tal não é anti-semita. Portanto, defendemos o direito de qualquer indivíduo ou organização a apoiá-lo.

Israel e a comunidade internacional insistiram que os palestinos se abstenham de violência quando se opõem à ocupação da sua terra e à persistente discriminação e opressão a que estão expostos. O BDS é essencialmente um movimento não violento, que protesta contra graves violações dos direitos humanos. O movimento BDS não defende uma solução política específica para o conflito israelo-palestino. O que faz é advogar a aplicação do direito internacional, muitas vezes relativamente à ocupação e aos colonatos de Israel. O movimento é explícito quanto à sua oposição categórica a «todas as formas de racismo, incluindo o anti-semitismo». Muitos judeus e grupos israelitas apoiam explicitamente o BDS ou defendem o direito a apoiá-lo. Pode-se debater e discordar do BDS, mas a deslegitimação categórica desses meios não violentos é errada e contraproducente.

Apelamos a todos os partidos alemães para que não apresentem e não apoiem quaisquer resoluções que equiparem o BDS ao anti-semitismo. Em particular, apelamos aos principais partidos democráticos, FDP, CDU e SPD, para que ajustem em conformidade os seus projectos de resolução.

Também apelamos a todos os partidos alemães para que não excluam do financiamento alemão as ONGs que apoiam o BDS. Como também é confirmado pela União Europeia, as declarações e acções no contexto do BDS estão protegidas pela liberdade de expressão e pela liberdade de associação, conforme consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

Entre as mais de cem organizações da sociedade civil palestina que assinaram o apelo ao BDS encontram-se respeitadas organizações de direitos humanos, associações de advogados e engenheiros, comités de agricultores e trabalhadores da saúde e associações de deficientes e professores. Seria altamente prejudicial para a sociedade palestina no seu conjunto e para o papel e reputação da Alemanha se essas organizações fossem excluídas do financiamento alemão — simplesmente por exercerem o seu direito à liberdade de expressão e pela sua opção de resistirem por meios pacíficos à arraigada ocupação israelita.

Se fossem excluídos, isso contribuiria para enfraquecer ainda mais toda a sociedade palestina, que já sofreu um duro golpe quando o governo dos EUA terminou o seu financiamento aos palestinos — uma decisão que a Europa deplorou.

Além disso, uma decisão do Bundestag de equiparar o movimento BDS, liderado por palestinos, ao anti-semitismo ofende e estigmatiza os cidadãos palestinos da Alemanha e impede-os de expressarem livremente as suas opiniões, o seu sofrimento e tristeza. Isso também poderia afastá-los, bem como outros grupos na sociedade alemã e em outros lugares, da luta contra o anti-semitismo, em vez de os atrair para ele.

A equiparação do BDS com o anti-semitismo foi promovida pelo governo mais à direita da história de Israel. Faz parte dos persistentes esforços para deslegitimar qualquer discurso sobre os direitos dos palestinos e qualquer solidariedade internacional com os palestinos que sofrem a ocupação militar e uma severa discriminação.

Exortamos-vos a lutar contra o anti-semitismo e todas as formas de racismo sem ajudar esses esforços malignos. Pedimos-vos que defendam a liberdade de expressão e protejam os espaços democráticos na Alemanha, em vez de isolarem e silenciarem aqueles que expressam de forma não violenta as suas convicções políticas.

Subscritores:

Professor Gadi Algazi, Dep. de História, Universidade de Tel Aviv
Dr. Merav Amir, professor sénior de Geografia Humana da Queen's University Belfast
Dr.ª Hila Amit, Freie Wissenschaftlerin, Israel
Prof. (jubilado) Yonathan (Jon) Anson, Presidente do Serviço Social, Ben Gurion University of the Negev
Dr. Seth Anziska, Dep. de Hebraico e Estudos Judaicos, University College London
Prof.ª Lisa Baraitser, Dep. de Estudos Psico-Sociais, Birkbeck Institute, University of London
Dr. Moshe Behar, University of Manchester
Prof. Avner Ben-Amos, Dep. de História, Universidade de Tel-Aviv
Yaara Benger Alaluf, Wissenschaftliche Mitarbeiterin, Max-Planck-Institut für Bildungsforschung, Berlin
Prof.ª Gabriele Bergers, Dep. de Oncologia, Universidade de Lovaina
Prof.ª Louise Bethlehem, Dep. de Inglês e Estudos Culturais, Universidade Hebraica de Jerusalém
Prof. David Blanc, Dep. de Matemática, Universidade de Haifa
Prof. Daniel D. Blatman, Director, Instituto de Investigação do Judaísmo Contemporâneo Avraham Harman, The Max and Rita Haber Chair in Contemporary Jewry and Holocaust Studies, Universidade Hebraica de Jerusalém
Dr.ª Paola Canarutto, Freie Wissenschaftlerin
Prof.ª (jubilada) Jane Caplan, História Europeia Moderna, Universidade de Oxford
Prof. Stephen Clingman, Dep. de Inglês, Universidade de Massachusetts, Amherst
Professor Alon Confino, Cadeira Pen Tishkach de Estudos sobre o Holocausto, Universidade de Massachusetts, Amherst
Prof.ª  (jubilada) Sonia Dayan-Herzbrun, Dep. de Ciências Sociais, Universidade Paris Diderot
Prof.ª (jubilada) Sidra DeKoven Ezrahi, Dep. de Literatura Comparada, Universidade Hebraica de Jerusalém
Prof. (jubilado) Tommy Dreyfus, Pädagogische Hochschule, Universidade de Tel Aviv
Prof. David Enoch, Faculdade de Direito e Filosofia, Universidade Hebraica de Jerusalém
Dr. Yuval Eylon, Dep. de História, Filosofia e Estudos Judaicos, Universidade Aberta de Israel
Prof. (jubilado) Gideon Freudenthal, Instituto Cohn de História e Filosofia da Ciência e Ideias, Universidade de Tel Aviv
Dr.ª (jubilada) Elizabeth Freund, Dep. de Literatura Inglesa, Universidade Hebraica de Jerusalém
Prof. (jubilado) Chaim Gans, Faculdade de Direito Buchmann, Universidade de Tel Aviv
Prof. Amos Goldberg, História Judaica e Judaísmo Contemporâneo, Universidade Hebraica de Jerusalém
Prof. Oded Goldreich, Instituto Weizmann de Ciência
Prof. Neve Gordon, Dep. de Política e Governo, Universidade Ben Gurion
Prof.ª Rebecca Gould, Escola de Línguas, Culturas, História da Arte e Música, Universidade de Birmingham
Dr.ª Erella Grassiani, Dep. de Antropologia, Universidade de Amsterdão
Prof. Lev Grinberg, Dep. de Sociologia e Antropologia, Universidade Ben Gurion
Prof. David Harel, Instituto Weizmann de Ciência, vice-presidente da Academia de Ciências e Humanidades de Israel
Dr. Shir Hever, Politikwissenschaften, Freie Universät Berlin
Professora (jubilada) Susan Himmelweit, Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Aberta de Milton Keynes
Prof.ª Eva Illouz, Dep. de Ciências Sociais e Antropologia, Universidade Hebraica de Jerusalém, Centro Europeu de Sociologia e Ciências Políticas, Paris
Dr. Itamar Kastner, Humboldt-Universität zu Berlin
Dr. Brian Klug, Faculdade de Filosofia, Universidade de Oxford, Instituto Parkes para o Estudo de Relações Judaicas/não Judaicas, Universidade de Southampton
Prof.ª (jubilada) Vered Kraus, Dep. de Ciências Sociais, Universidade de Haifa
Prof. (jubilado) Micah Leshem, Dep. de Psicologia, Universidade de Haifa
Dr. Mark Levene, Centro Parkes para Relações Judaicas/ Não-Judaicas, Universidade de Southampton
Prof. Joseph Levine, Dep. de Filosofia, Universidade de Massachusetts, Amherst
Revital Madar, Dep. de Estudos Culturais, Universidade Hebraica de Jerusalém
Rela Mazali, freie Wissenschaftlerin und Schriftstellerin
Dr. Dana Mills, Oxford Brookes University
Dr. Sheryl Nestel, estudioso independente, Toronto
Prof. Isaac (Yanni) Nevo, Dep. de Filosofia, Universidade Ben-Gurion
Prof. Kobi Peterzil, Dep. de Matemática,  Universidade de Haifa
Dr. Noa Roei, Dep. de Literatura Comparada e Análise Cultural, Universidade de Amsterdão
Na’ama Rokem, Professor Associado de Literatura Hebraica Moderna e Literatura Comparada, Universidade de Chicago
Prof.ª Jacqueline Rose, Co-directora do Birkbeck Institute, Universidade de Londres
Prof. Michael Rothberg, 1939 Society Samuel Goetz Chair in Holocaust Studies, Universidade da Califórnia
Dr.ª E. Natalie Rothman, Dep. de História e Estudos Culturais, Universidade de Toronto Scarborough
Prof.ª Catherine Rottenberg, Literatura Estrangeira e Lingüística, Universidade Ben Gurion
Dr. Ilan Saban, Faculdade de Direito da Universidade de Haifa
Dr.ª Hannah Safran, Centro de Investigação Feminista, Haifa
Prof.ª Lynne Segal, Estudos Psicossociais, Instituto Birkbeck, Universidade de Londres
Dr. Itamar Shachar, pós-doutorado Marie Curie, Dep. de Antropologia, Universidade de Amsterdão
Nava EtShalom, poeta e escritora, doutoranda, Universidade da Pensilvânia
Prof.ª (jubilada) Alice Shalvi, Universidade Hebraica Jerusalém / Universidade Ben Gurion do Negev
Dr. Dmitry Shumsky,  director do Centro Cherrick para o Estudo do Sionismo, do Yishuv e do Estado de Israel, Universidade Hebraica de Jerusalém
Dr. Itay Snir, Universidade Aberta de Israel e Centro de Humanidades Minerva/Universidade de Tel-Aviv
Prof. Tamir Sorek, Estudos Sociais e Judaicos, Universidade da Florida
Dr.ª Anya Topolski, Professora Associada de Ética e Filosofia Política, Radboud Universiteit Nijmegen
Dr. Yair Wallach, director do Centro de Estudos Judaicos, SOAS, Universidade de Londres
Prof.ª Niza Yanay, Dep. de Sociologia e Antropologia, Universidade Ben Gurion
Prof. (jubilado) Moshe Zuckermann, Instituto Cohn de História e Filosofia da Ciência e das Ideias, Universidade de Tel Aviv

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