Declaração da Direcção Nacional do MPPM sobre a situação na Palestina e no Médio Oriente
COMUNICADO 02/2016
No dia 13 de Março último, um jovem palestino, Adi Kamal Salamah, catorze anos, foi ferido com gravidade pelo exército israelita durante uma manifestação na aldeia de al-Mazraa al-Gharbiya, a noroeste de Ramallah. No dia anterior, Israa Abu Khussa, seis anos, natural de Beit Lahiya, morreu na sequência de ferimentos provocados pelo mais recente bombardeamento da força aérea de Israel sobre a faixa de Gaza. São duas das vítimas mais recentes de uma onda de repressão generalizada que Israel tem em marcha desde Outubro de 2015, visando sufocar a resistência do povo palestino, aprofundar o processo de ocupação e colonização dos territórios palestinos e quebrar a solidariedade activa com a causa nacional palestina.
Assim, desde o início de Outubro de 2015, mais de 190 palestinos foram mortos em acções do exército israelita, trinta das quais em bombardeamentos lançados sobre a faixa de Gaza. No conjunto de vítimas mortais, o número de crianças eleva-se a 41, mas entre os feridos esse valor soma 2177. Desde o ano de 2000 até Janeiro de 2016, o exército de Israel é responsável pela morte de 1977 crianças na Palestina. O número de prisioneiros palestinos situava-se, em Dezembro de 2015, segundo as organizações de direitos humanos palestinas e israelitas, acima dos 6 mil (6066 exactamente), o valor mais alto desde Julho de 2010, entre as quais 398 crianças. Destes, encontravam-se em prisão administrativa – ou seja, sem culpa formada, sem indícios revelados e sem termo de detenção – 584 pessoas, o valor mais alto desde Setembro de 2008, incluindo 8 crianças.
Em Dezembro de 2015, estavam presos nas cadeias israelitas 422 menores – o número mais alto desde Agosto de 2008 – dos quais 116 crianças com idades inferiores a 15 anos. O número de mulheres encarceradas, 44, é também o mais elevado desde Setembro de 2009, incluindo-se nesse conjunto oito raparigas menores.
Este balanço trágico, entretanto, é o reflexo de uma resistência diária e constante frente à política sistemática de roubo, pilhagem e expulsão étnica que o estado de Israel prossegue contra o povo palestino que se desenvolve a um ritmo raras vezes registado no passado. Tomada em consideração apenas a zona C na margem ocidental do Rio Jordão, excluindo Jerusalém Oriental – no âmbito dos acordos de Oslo, sob controle militar e administrativo de Israel – foram emitidas entre 2010 e 2014, em média, 966 ordens de demolição sobre construções palestinas, o valor mais elevado desde 1988. Segundo dados da organização de direitos humanos B’Tselem revelados recentemente, no conjunto da margem ocidental, desde Janeiro de 2016, em resultado de acções judiciais ou operações punitivas do exército israelita, foram demolidas 203 construções, incluindo 105 habitações, deixando 435 pessoas sem casa, entre elas 234 crianças. Só na última semana de Março, foram demolidas 17 habitações, 19 estábulos e uma escola.
A par desta acção, as forças de ocupação israelitas têm multiplicado as medidas persecutórias e punitivas sobre órgãos de informação palestina, de que é exemplo o encerramento dos emissores da Palestine Today TV e a prisão do seu director. Nesta altura, estão presos nas cadeias de Israel 22 jornalistas palestinos, sendo a luta do jornalista Mohammed Al Qeek contra a medida de prisão administrativa que lhe foi aplicada o caso mais recente das dificuldades que os jornalistas palestinos enfrentam no desempenho da sua actividade profissional.
Este quotidiano de repressão, violência e humilhação, esta campanha sistemática, visando a limpeza étnica da Palestina e a destruição das condições materiais de existência do povo palestino, passa em geral sob um manto de silêncio da comunicação social internacional. A propaganda de Israel, incluindo os seus agentes na imprensa de outros países, entre os quais Portugal, procura justificar a actual onda repressiva com os ataques isolados e esporádicos levados a cabo por jovens palestinos nos territórios ocupados em 1967, na sua maioria contra objectivos militares, incluindo os colonatos, que o direito internacional considera ilegais e ilegítimos, e dos quais já resultaram a morte de cerca de trinta pessoas. Contudo, tais acções, fortuitas e desesperadas, não podem ser confundidas com a actuação do exército de um estado que possui uma cadeia de comando e prossegue objectivos estratégicos. Diga-se, aliás, que o exército israelita tem enfrentado esses acontecimentos, levando a cabo verdadeiras execuções públicas e extrajudiciais com contornos de evidente desprezo pela condição humana, que só podem merecer a mais veemente condenação.
Mas, além disso, ao colocar o foco nessas acções isoladas, Israel e os que defendem a sua política de colonização e segregação pretendem criar uma cortina de fumo para esconder a aceleração da sua política criminosa de ocupação e repressão sobre o povo palestino.
Tal política visa não apenas as organizações da resistência palestina nas suas diferentes componentes políticas e expressões sociais, mas também todos os que, incluindo em Israel, expressam de múltiplas formas a sua solidariedade com a luta heróica daquele povo pela realização dos seus anseios nacionais. A aprovação recente no Knesset de legislação que criminaliza a acção das organizações de direitos humanos que em Israel defendem a causa nacional palestina, assim como as acções criminais levadas a cabo contra vários deputados palestinos do parlamento de Israel, visando condicionar ou impedir o livre exercício do seu mandato evidenciam a natureza policial e opressiva de um regime que gosta de apresentar-se ao mundo como a «única democracia do Médio Oriente». Todavia, é ainda mais preocupante que esta orientação do governo da extrema-direita de Israel, além da impunidade geral de que goza no plano internacional, seja caucionada e secundada por governos da União Europeia. A decisão do governo britânico de coarctar a liberdade de decisão dos municípios e regiões em Inglaterra para recusarem investimentos ou contractos com empresas que estejam associadas à política criminosa do estado de Israel, e as declarações recentes do primeiro-ministro francês assimilando o anti-sionismo ao anti-semitismo, ilustram, a um tempo, o alcance da conivência e cumplicidade internacionais, incluindo na União Europeia, com a política criminosa do estado de Israel, mas também a força e a determinação do povo palestino e dos movimentos de solidariedade com a sua luta espalhados por todo o mundo.
A impunidade de que Israel goza no plano internacional é ainda mais chocante em face da sua continuada violação das resoluções das Nações Unidas, do reiterado incumprimento de todos os acordos e compromissos assumidos no âmbito do chamado processo de Oslo, e da recusa frontal de um diálogo consequente com os representantes do povo palestino para uma resolução política da questão conforme com o direito e a legalidade internacional. Esta atitude de desafio do governo de Israel evidencia, aliás, a necessidade imperiosa de recentrar a questão palestina no seu fórum próprio, aquele a que por dever histórico pertence e do qual foi desviado nas últimas décadas, as Nações Unidas e o direito internacional.
A intensificação da política repressiva do estado de Israel, entretanto, ocorre num momento de grave perturbação regional com ameaças graves para a paz no mundo, para os quais aliás, Israel tem igualmente contribuído. A par da Arábia Saudita e da Turquia, o estado de Israel tem sido um dos principais agentes de desestabilização interna na Síria, apoiando militarmente os grupos de mercenários que ali combatem, incluindo o Daesh, desencadeando acções militares ofensivas em violação frontal da soberania e integridade territorial daquele país, e prolongando, a ocupação ilegal de uma parcela do seu território, os montes Golan. Vale a pena recordar que a fragmentação dos principais estados árabes constitui um objectivo estratégico de Israel perseguido desde há anos, e que as sucessivas guerras lançadas sobre o Iraque e a Líbia, como a campanha de desestabilização em curso na Síria, têm ajudado a concretizar. O rasto de destruição nesses países, a torrente de refugiados que se amontoa às portas de uma União Europeia que esconde com hipocrisia a sua responsabilidade particular nesses dramas, são uma cruel evidência da necessidade de travar o passo aos que procuram mergulhar a região e agudizar os níveis de agressividade e confrontação militar. No Koweit, em 1989, no Iraque ou agora na Síria, o povo palestino está entre as principais vítimas das sucessivas guerras de agressão lançadas sobre os estados e povos da região. Por isso também, ao mesmo tempo, hoje como no passado, a resistência nacional do povo palestino e a luta pela realização dos seus direitos nacionais, assim como a solidariedade com a sua causa constituem um eixo central da luta pela paz no mundo.
Quando se aproxima uma das datas centrais da gesta nacional do povo palestino, o Dia da Terra, a Direcção Nacional do MPPM entende:
I) expressar de forma reiterada a solidariedade com o povo palestino e o seu respeito profundo pelo exemplo de determinação, coragem e heroísmo da sua luta secular pela liberdade, a autodeterminação e a independência;
II) condenar, da forma mais veemente, a onda de repressão e brutalidade que Israel prossegue contra o povo palestino e denuncia os seus planos criminosos de segregação, limpeza étnica e ocupação de toda a Palestina, prosseguidos ante a passividade, quando não a cumplicidade e participação activa das principais potências do mundo;
III) expressar a sua preocupação com o contínuo agravamento da situação no Médio Oriente e o drama humanitário resultante da guerra de desestabilização na Síria, que exige acções da comunidade internacional que respondam às necessidades prementes das populações, mas que garantam, ao mesmo tempo, as condições necessárias para que a paz e a soberania e integridade territorial dos estados da região seja preservada;
IV) protestar contra os termos do acordo da União Europeia com a Turquia sobre a questão dos refugiados, sublinhando as responsabilidades graves daquele país, assim como da Arábia Saudita, na eclosão e prolongamento da guerra na Síria;
V) apelar aos órgãos de soberania em Portugal uma intervenção política consistente no plano internacional solidária com os anseios de libertação do povo palestino e intransigente face aos crimes e violações da lei e do direito internacional perpetrados pelo estado de Israel;
VI) redobrar os seus esforços e intensificar a cooperação com organizações e movimentos de opinião pública, tendo em vista o desenvolvimento, em Portugal, do movimento de solidariedade com a causa do povo palestino e a luta pela paz no Médio Oriente.
Lisboa, 22 de Março de 2016
A Direcção Nacional do MPPM
Terça, 22 Março, 2016 - 17:40