Da Palestina a San Antonio, de Melilla à fronteira polaca - unidos por um Mundo sem Muros

O movimento Mundo Sem Muros, em que o MPPM se integra, publicou em 8/9 de Julho – duas datas marcantes para a resistência palestina – a sua Carta Urgente nº 3: Da Palestina a San Antonio, de Melilla à fronteira polaca - Unidos por um Mundo sem Muros.

O apelo a um Mundo sem Muros, lançado em 2017 por movimentos palestinos e mexicanos, é hoje subscrito por mais de 400 movimentos, grupos e redes em todo o mundo. A partir da iniciativa de um Dia Anual de InterAcção, em 9 de Novembro, cresceu para se tornar num espaço de encontro para construir ligações entre movimentos que lutam contra muros de expulsão, exclusão, opressão, discriminação e exploração.

A primeira Carta urgente: É tempo de nos tornarmos uma verdadeira semente de justiça foi divulgada em 9 de Novembro de 2021, Dia Global de InterAcção para um Mundo sem Muros, para denunciar as “falsas soluções”, os “muros climáticos”, as tentativas de lavagem verde que promovem as violações dos direitos humanos como “soluções sustentáveis”.

A Carta Urgente nº 2: Pelo Direito de Ficar, de se Mudar e de Regressar foi emitida em 18 de Dezembro de 2021, Dia Internacional do Migrante. Exigia o reconhecimento do direito das pessoas a permanecerem nos seus países de origem, a mudarem-se protegidas e respeitadas para países de acolhimento e a regressarem ao local de onde tiveram de fugir.

As tragédias reveladas nas últimas semanas desvendaram, com uma crueldade arrepiante, a medida em que crimes horríveis são parte integrante dos muros que as nações estão a construir para fortalecer as suas fronteiras e preservar a sua supremacia e privilégios.

Os acontecimentos de San Antonio, onde 53 pessoas morreram num camião quando tentavam entrar nos EUA, de Melilla, onde 51 migrantes e refugiados foram brutalmente assassinados pela polícia e forças militares marroquinas com o apoio da polícia espanhola, ou o tratamento desumano infligido a refugiados e migrantes na fronteira da Polónia com a Bielorrússia, justificam a necessidade imediata de acção.

Por isso, esta terceira Carta nos diz que é mais urgente do que nunca que utilizemos a nossa força colectiva para desmantelar estes muros, da Palestina às fronteiras europeias, dos Estados Unidos e mais além.


Carta Urgente Nº 3: Da Palestina a San Antonio, de Melilla à fronteira polaca - unidos por um Mundo sem Muros

«Isto é o inferno. Está em chamas»
Ghassan Khanafani, "Homens ao Sol"

Estamos a divulgar esta carta em 8 e 9 de Julho, duas datas importantes no âmbito da luta palestina. A 8 de Julho comemoramos o 50º aniversário do assassinato de Ghassan Khanafani, o poeta palestino que narrou a resistência e a difícil situação dos refugiados. O dia 9 de Julho marca o 18º aniversário da decisão do Tribunal Internacional de Justiça sobre o Muro do Apartheid de Israel.

No entanto, esta carta não é sobre recordações, mas sim sobre a necessidade imediata de acção.

As últimas semanas trouxeram à luz, com uma crueldade arrepiante, a medida em que crimes horríveis e tragédias humanas são parte integrante dos muros que as nações poderosas e as suas elites estão a construir para fortalecer as suas fronteiras e preservar a sua supremacia e privilégios.

É mais urgente do que nunca que utilizemos a nossa força colectiva para desmantelar estes muros, da Palestina às fronteiras europeias, dos Estados Unidos e mais além.

Um mundo de muros

Em San Antonio, 53 pessoas morreram num camião quando tentavam entrar nos EUA. Este já é a terceira ocorrência de tais mortes terríveis só no Texas, nos últimos 5 anos. Não há muro em San Antonio, mas há um muro e uma política de proibição de entrada com devoluções ilegais ao longo da fronteira entre os EUA e o México. Donald Trump elegeu o muro do apartheid de Israel como modelo para as suas próprias políticas e afirmou que «os muros funcionam». E funcionam, se o objectivo for matar pessoas e subjugá-las a políticas racistas e de exclusão.

Para os palestinos, a notícia das mortes em San Antonio lembra-lhes a sua própria realidade, descrita pelo famoso romance de Ghasan Khanafani «Homens ao Sol». Os refugiados palestinos deslocados, desesperados mas ao mesmo tempo determinados a construir uma vida melhor morrem num camião enquanto tentam passar clandestinamente do Iraque para o Kuweit. O motorista queixa-se: «Por que não bateste nas paredes do tanque? Por quê?»

É a história e a realidade daqueles que estão determinados a arriscar tudo o que lhes resta para um futuro melhor. Pessoas em todo o mundo estão a bater nos muros que as mantêm presas, excluídas, oprimidas, segregadas. É a história e a realidade de um sistema de opressão que sufoca as suas vozes e culpa e criminaliza as pessoas oprimidas.

Apenas 3 dias antes, no muro que cerca o enclave colonial espanhol de Melilla, 51 migrantes e refugiados foram brutalmente assassinados pela polícia e forças militares marroquinas, enquanto a polícia espanhola apoiava o crime lançando gás lacrimogéneo do outro lado. Eles faziam parte de um grupo com muitos outros que se tinham organizado para escalar juntos o muro colonial de Melilla, a fim de fazer uso do seu direito de procurar asilo. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, descreveu a tentativa colectiva de procurar justiça como uma «agressão
violenta» e «um ataque à integridade territorial de Espanha». As forças marroquinas apressaram-se a encobrir o seu crime, enterrando os mortos em valas comuns que tentaram esconder.

O ministro do Interior marroquino, que chefiava as forças policiais, e o seu homólogo israelita tinham-se encontrado apenas dias antes. A normalização desenfreada reúne regimes que partilham a política de muros e de violações dos direitos humanos e quaisquer laços adicionais com o apartheid israelita apenas irão exportar para Marrocos mais competências de repressão.

Quando, em 2018, os palestinos se organizaram na «Grande Marcha do Retorno» para protestar pacificamente contra o muro que o apartheid israelita ergueu em torno de Gaza em 1995 e contra o cerco brutal que este impõe à faixa costeira ocupada há 15 anos, as forças israelitas dispararam à vontade. 189 palestinos foram mortos, centenas mutilados e mais de 8000 feridos.

Muitos têm de abandonar e fugir das suas casas, os palestinos lutam pelo seu regresso às suas casas. A brutalidade da supremacia, do colonialismo, do racismo e do apartheid está a matar todos de igual modo.

Entretanto, a Polónia anunciou a 30 de Junho a conclusão de um muro de 5,5 metros de altura, com 186 km de comprimento ao longo das suas fronteiras com a Bielorrússia. O projecto tem um orçamento de 407 milhões de dólares e militariza e sela a fronteira onde migrantes estão a ser degradados, criminalizados e detidos arbitrariamente. Este muro é um símbolo das políticas de migração racistas da Europa: enquanto os refugiados (brancos) da Ucrânia são acolhidos e apoiados como deveriam ser, os refugiados não-brancos que tentam atravessar a fronteira polaca são confrontados com um muro, violência e devoluções.

Este Junho marcou 20 anos depois de Israel ter iniciado a construção do seu Muro do Apartheid na Cisjordânia. 20 anos mais tarde, Israel está a reforçar o seu Muro do Apartheid como parte das suas crescentes práticas de limpeza étnica, apropriação de terras e violência. Os trabalhadores palestinos que estão a ser forçados a esgueirar-se pelas partes abertas do Muro do Apartheid para alcançar o seu trabalho estão a suportar o fardo da sua fortificação. No dia 5 de Julho, Ahmad Harb Ayyad, um trabalhador palestino, foi espancado até à morte por soldados israelitas quando tentava aceder ao seu local de trabalho perto do Muro, em Tulkarm.

Por um Mundo sem Muros

No dia 9 de Julho, faz 18 anos que o Tribunal Internacional de Justiça declarou este muro ilegal e exigiu aos governos de todo o mundo e às Nações Unidas que ouvissem o embate no muro, pusessem fim à sua ajuda e assistência aos crimes de guerra e crimes contra a humanidade de Israel e tomassem medidas eficazes para o parar. Não só o apartheid israelita continua a construir muros, como a ideologia, a metodologia e a tecnologia israelita dos muros foram globalizadas. Hoje em dia, os muros estão a crescer e a matar cada vez mais pessoas em todo o mundo, enquanto Israel e as empresas militares, de segurança e outras lucram com os enormes orçamentos que os Estados atribuem a estes monumentos de injustiça e exclusão.

O dia 8 de Julho de 2022 marca 50 anos desde que agentes secretos israelitas assassinaram Ghassan Khanafani com o objectivo de silenciar uma das vozes mais poderosas da Palestina. Actualmente, refugiados e migrantes continuam a morrer no calor dos camiões que os traficam através das fronteiras.

É urgente unirmo-nos, ouvir as exigências dos oprimidos e "dos outros", organizarmo-nos, levantar as nossas vozes e redobrar os nossos esforços para superar os sistemas de opressão que são cada vez mais mortíferos.

Unidos venceremos

Nos últimos 50 anos superámos o apartheid na África do Sul, as ditaduras latino-americanas foram derrubadas e líderes indígenas venceram eleições presidenciais. Uma segunda vaga de governos progressistas está a chegar ao poder no subcontinente, de onde as pessoas são forçadas a partir para os EUA. Movimentos de negros e de pessoas de cor conseguiram trazer o debate sobre o racismo estrutural para a corrente dominante. O apelo ao Boicote, Desinvestimento e Sanções, lançado no primeiro aniversário da decisão do TIJ a 9 de Julho de 2005, deu efectivamente origem ao movimento anti-apartheid liderado pelos palestinos.

Hoje em dia é crucial que nos unamos por um Mundo sem Muros e:

- Pelo fim das políticas racistas anti-migratórias e da militarização das fronteiras que criminalizam e matam migrantes.

- Pelo fim de todas as relações militares e de segurança com Israel e as suas empresas que testam as suas armas e métodos contra os palestinos para depois os exportarem para todo o mundo como testados em combate.

- Pelo fim dos sistemas de racismo estrutural e supremacia, incluindo a versão israelita do século XXI do colonialismo de ocupação baseado num sistema vicioso de apartheid e por uma investigação da ONU sobre o apartheid israelita e a reactivação dos mecanismos da ONU para combater o apartheid.

- Por um mundo verdadeiramente democrático, justo e ecológico.
 

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