«Continua assim, Ahed Tamimi», por Gideon Levy

Artigo publicado no Haaretz de 25 de Julho de 2018

No domingo deverás finalmente sair da prisão, juntamente com a tua mãe. Mas mais vale não tentar o diabo; o Shin Bet pode emitir uma ordem de prisão administrativa contra ti. Afinal, há apenas algumas semanas o Shin Bet determinou que tu ainda és «potencialmente perigosa» — mas podemos ter a esperança de que dentro de três dias tu e a tua mãe voltarão a ser livres em casa.
Também podemos ter a esperança de que o perigo potencial que tu apresentavas não tenha diminuído durante os teus meses na prisão, desde o Inverno; de que tu ainda sejas perigosa para a ocupação, de que tu não vás parar de resistir à tua maneira. Tanto quanto conheço a tua família, a quem a propaganda israelita chama uma «família de terror» e uma «família de assassinos», sei que não há hipóteses de isso acontecer. O teu espírito não vacilará. O teu «perigo» não se dissipará.

Tu e a tua mãe estiveram na prisão durante oito meses, embora tu não tivesses feito nada de mal, a não ser demonstrar uma resistência natural e justificada à ocupação, que invadiu o teu quintal. Tu bateste num soldado armado e com protecções corporais com as tuas mãos nuas, tanto quanto uma rapariga de 16 anos consegue bater num soldado armado e com protecções corporais, e a tua mãe filmou. Foi esse o teu crime. Na ocupação, só os soldados são autorizados a atacar. Tu fizeste o que qualquer pessoa corajosa que vive sob ocupação faria — deste-lhe uma bofetada. A ocupação pode esperar bem mais do que isso.

Isto aconteceu depois de soldados terem atingido a tiro na cabeça o teu primo de 15 anos, Mohammed Tamimi, na rua onde tu moras, deixando-o só com meio crânio. Deves saber que desde então eles o prenderam novamente, apesar da sua deficiência, e o libertaram. Desde então o teu irmão também foi preso e libertado.
Nabi Saleh aguarda as suas filhas. Bassem aguarda Nariman e Ahed. Também há israelitas que aguardam a sua libertação. Na semana passada foi descoberto outro caso de resistência às forças de ocupação: jovens atiraram pedras à Polícia de Fronteira e feriram uma agente, que foi levada para o hospital.

Uma pedra pode matar, e há uma nova política mais dura contra quem atirar pedras. Três jovens foram presos, mas foram libertados num abrir e fechar de olhos. São colonos de Yitzhar. Ahed não feriu ninguém e passou oito meses na prisão. Não, não existe apartheid nos territórios.

Ahed será libertada no domingo e espera-a uma nova realidade. Ela tornou-se um ícone. Enquanto estava na cadeia, Gaza ergueu-se e pagou com a vida de 160 dos seus habitantes, mortos a tiro por atiradores especiais israelitas. Dezenas de outros continuam incapacitados, alguns porque Israel lhes negou assistência médica adequada.

Enquanto Ahed estava na prisão, a Cisjordânia mergulhou no seu torpor estival, ocupada com desentendimentos e disputas internas. A Cisjordânia precisa de Ahed. A resistência precisa de Ahed. Não que é uma rapariga possa mudar o mundo, mas a geração de Ahed precisa de ser a próxima geração da resistência. A sua antecessora está perdida; os seus filhos estão mortos, feridos, presos, desesperados, cansados, exilados, ou juntaram-se à burguesia.

Sim, pode-se ser israelita e apoiar os palestinos que resistem à ocupação, como Ahed Tamimi, e desejar-lhes êxito. Na realidade, devemos fazê-lo. Com as suas mãos nuas e aparência impressionante, Ahed é a esperança no futuro, a inspiração para outros. O Shin Bet opôs-se à sua libertação antecipada, dizendo: «As suas declarações mostram a sua ideologia extrema e, dada a situação de segurança, mostram o perigo potencial da sua libertação antecipada.» Passaram-se meses, e esperemos que o Shin Bet pense que Ahed mudou a sua ideologia devido aos meses adicionais na cadeia. Caso contrário, ela não será libertada.

Mas o Shin Bet também sabe que, a não ser por abuso, vingança, satisfação da opinião pública israelita e uma tentativa desesperada de repressão pela força, não há justificação para o prosseguimento da prisão desta rapariga-símbolo de Nabi Saleh. O Shin Bet sabe que a sua ideologia «extrema» é a ideologia de todos os que vivem sob a ocupação.

Agora tem de se dizer a Ahed: valeu a pena. Continua assim, Ahed. Continua a resistência à ocupação. Continua os protestos da tua corajosa aldeia todas as sextas-feiras. Continua a «incitar» — a condenar a ocupação e a documentar os seus crimes. Continua a dar-lhe bofetadas, se ele voltar a invadir o teu quintal, ou se der um tiro na cabeça ao teu jovem primo.

Os artigos assinados publicados nesta secção, ainda que, obrigatoriamente, alinhados com os princípios e objectivos do MPPM, não exprimem necessariamente as posições oficiais do Movimento sobre as matérias abordadas, responsabilizando apenas os respectivos autores.
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