Carta conjunta da sociedade civil europeia reclama suspensão do Acordo de Associação UE-Israel
Numa carta hoje publicada, em antecipação ao Conselho de Associação entre a União Europeia (UE) e Israel, uma coligação de organizações da sociedade civil e de defesa dos direitos humanos defende claramente que a UE deve suspender o Acordo de Associação UE-Israel face às violações do direito internacional por parte de Israel e apela à Comissão Europeia para que elabore uma proposta nesse sentido. O próximo Conselho de Associação UE-Israel tem de abordar a violação do artigo 2.º por parte de Israel e actuar de forma decisiva para defender o seu compromisso para com os direitos humanos e o direito internacional. Leia abaixo a carta conjunta da sociedade civil sobre o Conselho de Associação UE-Israel.
Bruxelas, 10 de Fevereiro de 2025.
Cara Kaja Kallas, Alta Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Vice-Presidente da CE,
Cara Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia,
Caro Maroš Šefčovič, Comissário para o Comércio e a Segurança Económica,
Caros Ministros e membros do Conselho,
Nós, as organizações da sociedade civil e de direitos humanos abaixo assinadas, expressamos a nossa profunda preocupação com a planeada reunião do Conselho de Associação UE-Israel, em Fevereiro, que deverá ter lugar no meio das graves violações do direito internacional por parte de Israel. Exortamos-vos a aproveitar esta oportunidade para abordar as violações israelitas e exercer a influência da UE para lhes pôr termo.
Embora nos congratulemos com o acordo de cessar-fogo em Gaza, este desenvolvimento não deve servir de pretexto para a UE retomar as suas relações habituais com Israel ou aprofundar as suas relações bilaterais. Pelo contrário, a aplicação do cessar-fogo em todas as suas fases exigirá uma pressão internacional significativa sobre as partes. A resolução das actuais violações do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) e do Direito Internacional Humanitário (DIH) por parte de Israel deve ser uma condição prévia para um maior empenhamento.
Numerosos relatórios de organismos da ONU, da Comissão de Inquérito da ONU, de relatores especiais e de importantes organizações de defesa dos direitos humanos documentaram as políticas estruturais de Israel de transferência forçada, de fome e de privação de água em Gaza. Israel tem visado sistematicamente a população civil e as infra-estruturas civis, incluindo hospitais, escolas, profissionais de saúde, trabalhadores humanitários e jornalistas. Os relatórios salientam igualmente a detenção ilegal de palestinos, incluindo crianças, e o seu tratamento desumano, a tortura e os abusos baseados no género. Israel está agora também a aplicar legislação destinada a pôr termo às operações da UNRWA nos territórios palestinos ocupados, apesar da reiterada oposição da UE a essa medida. Esta legislação terá consequências negativas para a resposta humanitária em Gaza, incluindo a da UE, e prejudicará a prestação de serviços básicos como a saúde e a educação em todo o TPO, dos quais dependem milhões de palestinos.
O recente ataque israelita ao Norte da Cisjordânia, os bombardeamentos, as detenções em massa e os encerramentos em todo o território indicam uma mudança de orientação por parte de Israel, e não uma cessação das violações. Os colonatos ilegais continuam a expandir-se, com um número recorde de postos avançados estabelecidos em 2024 e novas unidades habitacionais de colonos aprovadas quase semanalmente. Além disso, o ambiente coercivo criado pela violência dos colonos e pelas acções militares deslocou à força pelo menos 20 comunidades palestinas inteiras e levou à morte de mais de 800 palestinos desde 7 de Outubro.
O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) reafirmou no seu parecer consultivo de Julho de 2024 que a ocupação de Israel é ilegal, violando princípios fundamentais do direito internacional, incluindo a proibição da aquisição territorial pela força e o direito dos palestinos à autodeterminação. Consequentemente, o tribunal estipulou a obrigação da comunidade internacional de pôr termo à ocupação ilegal de Israel. O TIJ também considerou que Israel violava a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação da Discriminação Racial, que proíbe a segregação racial e o apartheid. Israel rejeitou as conclusões dos tribunais e também não cumpriu as medidas provisórias ordenadas pelo TIJ no processo África do Sul contra Israel, em que o tribunal considerou que existia um risco plausível de genocídio cometido por Israel em Gaza.
Todas estas conclusões foram comunicadas aos Estados-Membros da UE, como prova a fuga de informação sobre a avaliação do Representante Especial da UE para os Direitos Humanos. Apesar das provas irrefutáveis, a UE-27 não condenou os ataques israelitas contra civis e a recusa de acesso à ajuda humanitária em Gaza, em violação do DIH.
As contínuas violações israelitas estão em contradição directa com o artigo 2.º do Acordo de Associação, que estabelece o respeito pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos como um elemento essencial do acordo. Tanto a UE como cada um dos Estados-Membros, enquanto partes no acordo, têm agora a responsabilidade de actuar com base no artigo 2.º e de tomar as medidas adequadas para garantir o cumprimento das obrigações em matéria de direitos humanos. A aplicação do artigo 2.º é essencial para que a UE mantenha a coerência com os seus princípios fundamentais, as obrigações decorrentes do Acordo de Associação e as respostas anteriores.
A simples apresentação de preocupações sobre a conduta de Israel no Conselho de Associação sem invocar o artigo 2.º é, a julgar pelos antecedentes, pouco susceptível de produzir qualquer efeito. Além disso, o facto de se envolver com funcionários israelitas sem abordar eficazmente as violações israelitas seria um sinal da aprovação tácita da UE e da sua condescendência com a impunidade — uma mensagem que ressoará bem alto junto de todos aqueles que desrespeitam os direitos humanos e o direito internacional. A UE tem de tomar medidas decisivas para garantir a responsabilização. Se não o fizer, não só enfraquecerá a sua credibilidade como também prejudicará os seus interesses estratégicos na região.
Por conseguinte, exortamos-vos a
Assegurar que a violação do artigo 2.º por parte de Israel seja o elemento essencial da ordem de trabalhos da próxima reunião do Conselho de Associação. Se o Artigo 2.º não puder ser discutido durante a reunião do Conselho, a reunião não deve realizar-se.
Deixar claro que, se Israel não responder positivamente às preocupações sobre as suas violações do direito internacional no Conselho de Associação e na sua sequência imediata, a UE deve suspender o Acordo de Associação UE-Israel.
Para demonstrar a seriedade da UE, solicitar à Comissão que elabore já uma proposta de suspensão do Acordo de Associação UE-Israel. A proposta deve ser aprovada pelos Estados-Membros em caso de incumprimento continuado por parte de Israel.
Rever todas as relações comerciais e outras relações entre a UE e Israel para garantir a sua conformidade com o parecer consultivo do TIJ e com a subsequente resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a aplicação do parecer consultivo.
A dinâmica a favor da suspensão está a aumentar. Mais de 250 deputados europeus instaram recentemente a Comissão a agir, fazendo eco das exigências de uma coligação de mais de 200 ONG e sindicatos europeus que lançaram uma campanha em Setembro de 2024 defendendo a suspensão do Acordo.
Aguardamos com expectativa a vossa resposta e confiamos que tomarão as medidas necessárias para defender as responsabilidades e os valores da UE durante a reunião do Conselho de Associação.
Com os melhores cumprimentos,
1. International Federation for Human Rights (FIDH),
2. Human Rights Watch,
3. Oxfam,
4. Pax Christi International,
5. Pax Christi Dt. Sektion e.V. - Germany,
6. CIDSE
7. Defence for Children International,
8. Finn Church Aid,
9. Sadaka - the Ireland Palestine Alliance,
10.EuroMed Rights,
11.LDH (Ligue des droits de l’Homme),
12.La Centrale Générale-FGTB/De Algemene Centrale-ABVV,
13.Fédération Syndicale Unitaire (FSU),
14.Union syndicale Solidaires,
15.European Trade Union Network for Justice in Palestine,
16.Jewish Call for Peace,
17.European Coordination of Committees and Associations for Palestine –
ECCP,
18.Broederlijk Delen,
19.ActionAid France,
20.Pax Christi France,
21.A Different Jewish Voice Amsterdam,
22.Association France Palestine Solidarité (AFPS),
23.UJFP (Union Juive Française pour la Paix - French Jewish Peace Union),
24.Confédération paysanne,
25.Steirische Friedensplattform,
26.Une Autre Voix Juive – France,
27.Association des Travailleurs Maghrébins de France (ATMF),
28.Transnational Institute,
29.Israeli Committee Against House Demolitions (ICAHD) – Germany,
30.BDS Berlin,
31.International Fellowship of Reconciliation,
32.Financial Justice Ireland,
33.Eurochild,
34.Fundación Mundubat,
35.Pax Christi Flanders,
36.Društvo Orgnizacija za participatorno družbo,
37.Entraide et Fraternité,
38.Confédération Internationale Solidaire et Ecologiste,
39.Peace Institute,
40.Solidarity 2020 and Beyond,
41.Africa Solidarity Centre Ireland (ASCI),
42.Olof Palmes Internationella Center,
43.International Peace Bureau,
44.Finnish-Arab Friendship Association,
45.NWRG odv,
46.POLIFA,
47.Mouvement contre le Racisme et pour l’Amitié entre les Peuples (MRAP),
48.CNCD-11.11.11,
49.11.11.11,
50.Vredesactie,
51.Red Universitaria por Palestina (RuxP),
52.De-Colonizer,
53.Centre for Global Education,
54.PAX,
55.Vrede vzw (Belgium),
56.Collectif Judéo Arabe et Citoyen pour la Palestine,
57.INTAL,
58.The Rights Forum,
59.Kinvara Palestine Solidarity Group,
60.Pingvīni,
61.Humanitas - Center for Global Learning and Cooperation,
62.Belgian Academics and Artists for Palestine (BA4P),
63.Gibanje za pravice Palestincev,
64.Collectif BDS57,
65.Health Care Workers for Palestine – Ireland,
66.SB Overseas,
67.World BEYOND War,
68.Women in Black Vienna (WiBV),
69.Comité pour une Paix Juste au Proche-Orient,
70.Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente MPPM,
71.docp - BDS Netherlands,
72.Parents for Peace,
73.Marcel Stilger,
74.Not in our name Vienna,
75.Palestina Solidariteit,
76.Défense des Enfants International Belgique (DEI),
77.SOS Enfants Charleroi (APEP),
78.Finnish Peace Committee - Suomen Rauhanpuolustajat,
79.Kansainvälinen solidaariruustyö - International Solidarity Work,
80.Plateforme des ONG françaises pour la Palestine,
81.SOMO (Centre for Research on Multinational Corporations),
82.BDS France,
83.Rete Romana di Solidarietà con il Popolo Palestinese,
84.Plant een Olijfboom,
85.CRID,
86.Sumud - The Finnish Palestine Network,
87.União de Resistentes Antifascistas Portugueses,
88.Partnership Association Bonn-Ramallah e.V.,
89.The Legal Agenda,
90.Américains contre la guerre (AAW),
91.Réseau Féministe "Ruptures",
92.Global Exchange,
93.Association La Courneuve Palestine,
94.Forum Palestine Citoyenneté,
95.La Cimade,
96.4ACG Anciens Appelés en Algérie et leurs Amis Contre la Guerre, NGO
97.Finnish Development NGOs (Fingo),
98.Association "Lygiai" (en. "Equally"),
99.Academy of Sciences,
100. Center for social research (CEDRA),
101. Cairo Institute for Human Rights Studies,
102. Femmes Egalité,
103. Lähi-idän opiskelijat ry,
104. "Protests" (Latvia),
105. ATTAC France,
106. Cedetim,
107. Finnish Psychologists for Social Responsibility (FiPSR),
108. Association feministe Apel-Egalité,
109. Association dr Solidarité Inter Peuples,
110. Cppi Saint-Denis [Collectf Paix Palestine Israel],
111. United Against Inhumanity,
112. Féderation des Tunisiens pour une Citoyenneté des deux Rives
(FTCR),
113. Danes je nov dan, Inštitut za druga vprašanja,
114. The Public Committee against Torture in Israel,
115. Focus Association for Sustainable Development,
116. Equinox Initiative for Racial Justice,
117. Academy of Sciences and Arts of the Republic of Slovenia (SAZU)
resp.
118. KF University of Graz, Austria.
A carta foi enviada pela Federação Internacional para os Direitos Humanos em representação da Coligação para a Suspensão do Acordo de Associação UE-Israel:
Cara Senhora Alta Representante,
Caros Membros do Conselho,
Senhores Ministros,
Caros Deputados do Parlamento Europeu,
Em nome da Coligação para a Suspensão do Acordo de Associação UE-Israel, junto enviamos uma carta assinada por organizações da sociedade civil e dos direitos humanos, instando-a a garantir que a violação por Israel do artigo 2.º do Acordo de Associação seja o elemento essencial da ordem de trabalhos da próxima reunião do Conselho de Associação.
A carta pública está disponível aqui e em anexo e foi partilhada com os Comissários, os funcionários do SEAE, os representantes dos Estados-Membros da UE e os deputados do Parlamento Europeu.
Exortamo-los a aproveitar a reunião do Conselho para aplicar de forma coerente a legislação europeia em vigor, avaliar a conformidade de Israel com o artigo 2.º do Tratado e deixar claro que, se Israel não deixar de violar o direito internacional e continuar a cometer graves violações dos direitos humanos, a UE suspenderá o Acordo de Associação UE-Israel.
Estamos prontos para discutir este assunto urgente convosco em qualquer altura.
Com os melhores cumprimentos,
Peter Sennekamp
Representante junto da UE
FIDH - Federação Internacional para os Direitos Humanos