Amnistia Internacional: Apartheid de Israel contra Palestinos representa décadas de opressão e dominação
A Amnistia Internacional publicou hoje um extenso relatório intitulado Israel’s Apartheid against Palestinians: Cruel system of domination and crime against humanity (Apartheid de Israel contra os Palestinos: Sistema cruel de dominação e crime contra a humanidade) em que confirma que o regime de Israel contra todo o povo palestino configura o crime contra a humanidade de apartheid.
Esta publicação culmina investigações e análises conduzidas pela Amnistia Internacional (AI) entre Julho de 2017 e Novembro de 2021 e assenta sobre décadas de recolha de provas de violações dos direitos humanos internacionais e do direito humanitário em Israel e nos Territórios Palestinos Ocupados (TPO), bem como em publicações de organizações palestinas, israelitas e internacionais, estudos académicos, relatos de grupos activistas, relatórios das agências da ONU, peritos e organismos de direitos humanos, e artigos da comunicação social.
A investigação da AI mostra que Israel impõe um sistema de opressão e dominação contra os Palestinos em todas as áreas sob o seu controlo: em Israel e nos TPO, e contra os refugiados palestinos, a fim de beneficiar os Israelitas judeus. Isto equivale ao apartheid, proibido pelo direito internacional.
As leis, políticas e práticas destinadas a manter um sistema cruel de controlo sobre os Palestinos deixaram-nos fragmentados geográfica e politicamente, frequentemente empobrecidos, e num estado constante de medo e insegurança.
Para a AI, o apartheid pode ser entendido como um sistema de tratamento discriminatório prolongado e cruel por parte de um grupo racial sobre membros de outro grupo, com a intenção de controlar o segundo grupo racial.
«O apartheid não é aceitável em parte nenhuma do mundo. Então porque é que o mundo o aceitou contra os palestinos?», questiona a AI, que «apela a Israel para que ponha fim ao crime internacional do apartheid, desmantelando medidas de fragmentação, segregação, discriminação, e privação, actualmente em vigor contra a população palestina».
Um sistema de opressão e dominação
Desde a criação do Estado de Israel em 1948, sucessivos governos têm criado e mantido um sistema de leis, políticas e práticas destinadas a oprimir e dominar os Palestinos com a intenção de privilegiar os Israelitas judeus em detrimento dos Palestinos.
As autoridades israelitas têm feito isto, segundo a AI, através de quatro estratégias principais:
1. Fragmentação em domínios de controlo: Manter os Palestinos separados uns dos outros em domínios territoriais, legais e administrativos distintos.
2. Despossessão de terras e propriedades: Décadas de apreensões discriminatórias de terras e propriedades, demolições de casas e expulsões forçadas.
3. Segregação e controlo: Um sistema de leis e políticas que mantém os Palestinos confinados a enclaves, sujeitos a várias medidas que controlam as suas vidas e segregados dos Israelitas judeus.
4. Privação dos direitos económicos e sociais: O empobrecimento deliberado dos Palestinos, mantendo-os em grande desvantagem em comparação com os Israelitas judeus.
A vida sob o apartheid
Demolições e expulsões forçadas
Os Palestinos são sistematicamente sujeitos a demolições de casas e expulsões forçadas, e vivem com medo constante de perder as suas casas. Israel exige-lhes uma licença para construir ou mesmo montar uma estrutura como uma tenda, mas - ao contrário dos candidatos Judeus israelitas - raramente lhes emite uma licença. Muitos palestinos são forçados a construir sem licenças. Israel destrói então as suas casas com o pretexto de terem sido construídas "ilegalmente".
Separação das famílias palestinas
Desde 2002, Israel tem adoptado uma política de proibição de os Palestinos da Cisjordânia e Gaza obterem estatuto em Israel ou em Jerusalém Oriental através do casamento, impedindo assim a unificação familiar. Estas medidas visam explicitamente os Palestinos, e não os Israelitas judeus, e são guiadas principalmente por considerações demográficas que visam minimizar a presença palestina dentro de Israel e dos TPO.
Debaixo de cerco
Durante os últimos 14 anos, mais de 2 milhões de Palestinos na Faixa de Gaza têm vivido sob o bloqueio ilegal de Israel, que é uma forma de punição colectiva. Juntamente com quatro grandes ofensivas militares, o bloqueio obriga os habitantes de Gaza - a maioria dos quais são refugiados de 1948 ou os seus descendentes - a viver em condições cada vez mais terríveis. Existem graves carências de habitação, água potável, electricidade, medicamentos essenciais e cuidados médicos, alimentação, equipamento educativo e materiais de construção. Em 2020, Gaza tinha a taxa de desemprego mais elevada do mundo, e mais de metade da sua população vivia abaixo do limiar da pobreza.
Padrões criminais
Segundo a AI, Israel tem vindo a cometer sistematicamente, há décadas, com quase total impunidade, graves violações dos direitos humanos dos Palestinos, tais como a transferência forçada, detenção administrativa, tortura, assassínios ilegais e ferimentos graves, e a negação de direitos e liberdades básicos. Estes actos fazem parte de um ataque generalizado e sistemático contra a população palestina, levado a cabo no contexto do regime institucionalizado de opressão e domínio sistemático de Israel sobre os Palestinos, e constituem, portanto, crimes contra a humanidade de apartheid.
Recomendações para o desmantelamento do sistema
«O desmantelamento deste terrível sistema de apartheid é essencial para os milhões de Palestinos que continuam a viver em Israel e nos TPO, bem como para o regresso dos refugiados palestinos que continuam a ser deslocados na região, para que possam usufruir dos seus direitos humanos básicos sem discriminação», conclui a Amnistia Internacional no seu relatório.
Segue-se um vasto conjunto de recomendações às autoridades israelitas e outros intervenientes relevantes para desmantelar o sistema do apartheid contra os Palestinos e para acabar com as violações dos direitos humanos associadas.
Às autoridades israelitas são feitas recomendações sobre leis, práticas e políticas que se relacionam com Palestinos em geral, bem como as específicas relacionados com cada um dos domínios de controlo - Israel, Jerusalém Oriental, o resto da Cisjordânia e a Faixa de Gaza - e os refugiados palestinos fora de Israel e dos TPO.
Às autoridades palestinas é pedido que documentem o impacte discriminatório do sistema de apartheid sobre a população palestina e que se abstenham de relações com Israel que contribuam para manter o sistema de apartheid.
Ao Conselho de Direitos Humanos da ONU é recomendado que averigúe se os crimes imputados a Israel são crimes contra a humanidade.
Ao Conselho de Segurança da ONU é pedida a imposição de sanções aos responsáveis pelos crimes de apartheid, a imposição de um embargo de armas a Israel e que leve os responsáveis à justiça.
À Assembleia Geral da ONU é recomendado que restabeleça a Comissão Especial contra o Apartheid.
Ao Tribunal Penal Internacional é pedido que considere a aplicação da figura de crime de apartheid aos crimes actualmente em investigação.
À Comunidade Internacional apela para que altere urgente e drasticamente a sua abordagem ao conflito israelo-palestino e reconheça a extensão total dos crimes que Israel perpetra contra o povo palestino.
Às Empresas pede que adoptem procedimentos e códigos de conduta adequados para assegurar que as suas actividades em Israel e nos TPO não estão a contribuir ou a beneficiar do sistema de apartheid.
Mais vozes na denúncia do apartheid israelita
Este relatório da Amnistia Internacional é o mais recente de uma série de estudos que confirmam o que peritos e defensores dos direitos humanos palestinos e internacionais têm vindo a afirmar há décadas: Israel está a perpetrar o crime de apartheid contra o povo palestino.
Em Junho de 2021, o antigo secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, sugeriu que Israel está a impor o apartheid aos palestinos.
Na mesma altura, 47 peritos independentes em direitos humanos dentro da ONU declararam que os planos de Israel de anexar ilegalmente terras palestinas constituiriam «uma visão de um apartheid do século XXI».
A uma conclusão semelhante à da AI chegou a Human Rights Watch, sediada nos EUA, que publicou um relatório em 27 de Abril do ano passado, no qual se mostra que Israel está a cometer os «crimes contra a humanidade do apartheid e da perseguição» contra os palestinos.
Ler: Israel comete crime de apartheid contra palestinos, acusa a Human Rights Watch
Em 12 de Janeiro de 2021, Hagai El-Ad, director executivo da organização israelita de direitos humanos B'Tselem, publicou no jornal britânico The Guardian um artigo em que se referia ao relatório divulgado pela sua organização nesse dia e em que classifica o regime israelita como de apartheid.
Ler: «Somos o maior grupo de direitos humanos de Israel – e chamamos a isto apartheid», por Hagai El-Ad
Já em 15 de Março de 2017, a Comissão Económica e Social das Nações Unidas para a Ásia Ocidental (CESAO) tinha publicado um documento histórico em que acusava Israel de apartheid, num relatório que concluía que «Israel estabeleceu um regime de apartheid que domina o povo palestino como um todo». O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, mandou recolher o documento, o que conduziu à demissão de Rima Khalaf do posto de Secretária Executiva da CESAO.
A reacção de Israel
Israel apelou ontem à Amnistia Internacional para não publicar o relatório, afirmando que as conclusões são «falsas, tendenciosas e anti-semitas».
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Yair Lapid, numa declaração emitida na segunda-feira, e citada pela Associated Press, disse que a Amnistia «é apenas mais uma organização radical que faz eco da propaganda, sem verificar seriamente os factos», e que «faz eco das mesmas mentiras partilhadas por organizações terroristas».
«Israel não é perfeito, mas somos uma democracia comprometida com o direito internacional, aberta à crítica, com uma imprensa livre e um sistema judicial forte e independente», disse Lapid.
O ministro dos Negócios Estrangeiros disse que o relatório da Amnistia «nega o direito do Estado de Israel a existir como Estado-nação do povo judeu».
«A sua linguagem extremista e a distorção do contexto histórico destinam-se a demonizar Israel e a lançar combustível sobre o fogo do anti-semitismo», acrescentou.
É interessante notar que Yair Lapid nega a acusação de apartheid ao mesmo tempo que defende a existência do Estado de Israel como Estado-nação [apenas] do povo judeu!
Na imagem: A nova estrada 4370, na região de Binyamin, apelidada de «estrada do apartheid», é na realidade composta por duas estradas separadas por um muro de 8 metros de altura, e só uma delas é acessível aos Palestinos.