100 anos do acordo Sykes-Picot: um século de ingerência e prepotência ocidental

COMUNICADO 10/2016
No dia 16 de Maio de 2016 completam-se 100 anos desde a assinatura do documento que ficou para a história como «Acordo Sykes-Picot». Este acordo previa a divisão em «esferas de influência» francesa e inglesa das possessões árabes do Império Otomano.
 
Cem anos depois, fazem-se ainda sentir em todo o Médio Oriente as consequências funestas deste acto prepotente e traiçoeiro, particularmente para o povo da Palestina.
 
A própria história da elaboração do Acordo Sykes-Picot é bem um exemplo de perfídia, mentira e traição aos povos da região.
A presença da França e da Grã-Bretanha nas províncias árabes do Império Otomano era já antiga. Britânicos e Franceses queriam dar uma configuração política diferente ao Médio Oriente árabe através do estabelecimento de novas unidades políticas em substituição das províncias otomanas. Quando rebentou a Primeira Guerra Mundial, a França e a Grã-Bretanha avançaram com a aplicação do seu plano de tomada do Médio Oriente árabe.
 
A Inglaterra procurou a colaboração dos Árabes na luta contra os Otomanos. No final de 1915 e durante os primeiros meses de 1916, o alto-comissário britânico no Egipto, Sir Henry McMahon, estabeleceu correspondência com o xerife Hussein, emir de Meca, prometendo à sua família (os Hachemitas) um papel dirigente no novo Médio Oriente; nas suas cartas, Hussein declarou que pretendia um reino alargado, para si e para os seus quatro filhos, em todas as antigas províncias árabes do Império Otomano. Em troca, em 1916 eles encabeçaram uma revolta contra os Turcos, dando o seu contributo para o esforço militar dos Aliados através de uma espécie de guerra de guerrilha.
 
Entretanto, decorriam negociações secretas entre Mark Sykes, do Foreign Office britânico, e o seu homólogo francês, George Picot. O acordo, concluído em Maio de 1916, dividia o Médio Oriente árabe em duas esferas de influência e em novas entidades políticas. A chamada linha Sykes-Picot dividia o Médio Oriente. A Palestina seria um condomínio das duas potências. Os Hachemitas foram informados deste acordo apenas em termos vagos.
 
Esta divisão violava grosseiramente as promessas feitas pelo governo britânico ao xerife Hussein. Porém, ainda antes do final da guerra os Hachemitas souberam que tinham sido logrados. Em Novembro de 1917, os bolcheviques, que tinham tomado o poder na Rússia, tornaram públicos vários acordos secretos, entre os quais o Acordo Sykes-Picot. Tornou-se do domínio público a contradição entre o Acordo Sykes-Picot e a correspondência Hussein-McMahon.
 
Mas os Britânicos, que detinham o poder de facto na Palestina, e não tinham intenção de o partilhar, queriam alterar a proposta de a governar conjuntamente com a França.  É neste contexto que surge a Declaração Balfour, de 2 de Novembro de 1917, que acolhia favoravelmente o estabelecimento de um lar nacional judaico na Palestina.
 
A correspondência Hussein-McMahon associava o futuro da Palestina a um reino árabe hachemita; o Acordo Sykes-Picot propunha colocar a Palestina sob o domínio colonial anglo-francês; e a Declaração Balfour considerava-a como um futuro Estado judaico. Apesar da sua funda incidência no futuro da Palestina, estes três processos decorreram sem qualquer participação dos Palestinos.
 
Terminada a guerra, as conferências de Deauville e de San Remo limitam-se a ajustes na linha Sykes-Picot e confirmam a divisão da região em mandatos britânicos e franceses. As potências imperiais impuseram as fronteiras e os sistemas de governo da maioria de Estados da região.
 
A Sociedade das Nações atribuiu à França o mandato da Arábia Saudita e do Líbano e à Grã-Bretanha o mandato da Mesopotâmia (mais tarde Iraque) e o mandato da Palestina, mais tarde divida entre Palestina mandatária e Emirado da Transjordânia (1921-1946). As possessões otomanas na Península Arábica converteram-se no reino do Hejaz, que foi anexado pelo Sultanato de Nedj (actual Arábia Saudita), e no reino do Iémen. As possessões do Império na costa ocidental do Golfo Pérsico foram anexadas pela Arábia Saudita (Alahsa e Qatif) ou permaneceram protectorados britânicos (Koweit, Barém e Qatar) e vieram a tornar-se os Estados árabes do Golfo.
 
As fronteiras do pós-guerra no Médio Oriente revelaram-se muito resistentes, apesar de questionadas desde o início. A maior e mais trágica excepção é o caso da Palestina. O apoio britânico ao sionismo e a repressão da resistência palestina abriram caminho à formação do Estado de Israel, em 1948, acompanhada por um cortejo de violências e pela expulsão de centenas de milhares de palestinos.
 
Desde então Israel tem constituído um permanente foco de tensão no Médio Oriente, de que são exemplo as guerras de 1948, 1956, 1967 e 1973. Israel continua a ocupar áreas do Líbano e da Síria, e apoia abertamente os terroristas que flagelam este país. Milhões de refugiados palestinos permanecem dispersos pelos países da região, enquanto Israel persiste no bloqueio de Gaza e na ocupação da Margem Ocidental, cujo território é cada vez mais retalhado pelos colonatos e pelo Muro. Israel, com a cumplicidade das potências ocidentais e da chamada «comunidade internacional, continua a negar ao povo palestino o seu direito impreterível a um Estado independente e viável, com capital em Jerusalém Leste, de acordo com as resoluções da ONU.
 
A pretensão ocidental de uma superioridade moral baseada na democracia e nos direitos humanos revela-se uma sinistra mistificação, bem ilustrada, nos tempos mais recentes, pela invasão do Iraque e da Líbia, as guerras na Síria e no Iémen, a persistente negação dos direitos nacionais do povo palestino. As potências ocidentais e o seu braço militar, a NATO, continuam a sua busca desenfreada de matérias-primas e de dominação política mundial.
 
Cem anos após o Acordo Sykes-Picot continuam a fazer-se sentir no Médio Oriente os efeitos mortíferos da ingerência imperial. Ao longo destes cem anos, nem por um dia se interrompeu a procura de domínio e a ingerência dos países ocidentais na região, primeiro a França e o Reino Unido, mais tarde os Estados Unidos. É mais necessária do que nunca a solidariedade com os povos desta região por parte daqueles que em Portugal, inspirados pelas disposições da Constituição da República, prezam os princípios da independência nacional, do respeito dos direitos humanos, da paz e da justiça nas relações entre os povos.
 
Lisboa, 16 de Maio de 2016
A Direcção Nacional do MPPM
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