Naqsa: Cinquenta e cinco anos de ocupação militar, espoliação e colonização da Palestina

Entre 5 e 10 de Junho de 1967, Israel conduziu uma guerra com os países vizinhos – Egipto, Jordânia e Síria – que culminou com a ocupação total da Palestina histórica e ainda dos Montes Golan sírios e da Península do Sinai egípcia.

Para os Palestinos, a Naqsa (“revés”) significou a perda de tudo o que restava da sua pátria e o início de 55 anos de uma colonização israelita desenfreada e insaciável. Foi a segunda etapa de uma catástrofe contínua, iniciada com a Nakba de 1948, e que veio a caracterizar-se por ataques militares, demolições de casas, confiscação de terras e apropriação de recursos naturais, expansão de colonatos e violência dos colonos, e compromissos assumidos e logo repudiados.

Para os sionistas, a Guerra de 1967 foi a oportunidade de se apropriarem dos 22% do território da Palestina histórica que lhes tinham escapado quando, em 1948, construíram o seu Estado sobre as ruínas da sociedade palestina, e que tinham ficado sob administração do Egipto (Faixa de Gaza) e da Jordânia (Cisjordânia e Jerusalém Oriental). Em seis dias, Israel aumentou três vezes e meia o seu território.

O desenrolar da guerra

As causas próximas da guerra estão rodeadas de controvérsia e talvez nunca venham a ser totalmente conhecidas.

Certo é que, no dia 5 de Junho de 1967, a pretexto de prevenir um ataque iminente, Israel atacou as bases aéreas do Egipto – neutralizando 90% da força aérea egípcia – e da Síria. No mesmo dia, invadiu por terra a Faixa de Gaza e a Península do Sinai.

Nos dois dias seguintes, desenrolaram-se combates entre Israel e a Jordânia pelo controlo de Jerusalém Oriental que culminaram ao meio-dia de 7 de Junho com a ocupação sionista da Cidade Velha. Seguiu-se a demolição do Bairro Marroquino – que datava de 1187 – para facilitar o acesso dos judeus ao Muro das Lamentações.

As principais cidades da Cisjordânia – Nablus, Belém, Hebron e Jericó – caíram para o exército israelita um dia mais tarde.

Durante a guerra e sob as ordens de Yitzhak Rabin – que mais tarde se tornou primeiro-ministro de Israel – as forças israelitas destruíram e procederam à limpeza étnica de várias aldeias palestinas. Nas cidades palestinas da Cisjordânia de Qalqilya e Tulkarem, o exército israelita destruiu sistematicamente as casas palestinas.

A ofensiva de Israel contra os Montes Golã sírios começou a 9 de Junho e culminou no dia seguinte com a sua captura.

O Egipto e Israel assinaram um cessar-fogo a 9 de Junho, enquanto a Síria e Israel o assinaram a 11 de Junho, pondo efectivamente fim à guerra.

De notar que o argumento do «ataque preventivo», usado para justificar os ataques aéreos ao Egipto e à Síria, muito dificilmente se aplicará a tudo o que se lhe seguiu.

As causas remotas da guerra

Se a causas próximas da guerra são controversas, há, no entanto, uma série de acontecimentos que conduziram inegavelmente à eclosão da guerra.

Em primeiro lugar, houve confrontos frequentes nas linhas de armistício israelo-sírio e israelo-jordano após a guerra de 1948. Milhares de refugiados palestinos tentaram atravessar a fronteira em busca de familiares, tentando regressar às suas casas e recuperar os seus bens perdidos.

Entre 1949 e 1956, estima-se que as forças israelitas mataram a tiro entre 2000 e 5000 pessoas que tentavam regressar.

Em 1953, Israel cometeu o mais notório massacre de represália na Cisjordânia contra a aldeia de Qibya, onde 45 casas foram explodidas e pelo menos 69 palestinos foram mortos.

Refugiados duas vezes

No final da guerra de 1967, Israel tinha expulsado mais de 300 000 palestinos das suas casas. Metade destes, eram já deslocados em 1948.

A esmagadora maioria dos palestinos recentemente deslocados procurou refúgio na Jordânia. Muitos fizeram o caminho a pé, com muito poucos pertences.

Em 1948, a limpeza étnica que acompanhou a criação do Estado de Israel gerou mais de 750 000 refugiados e deslocados.

Cerca de 150 000 palestinos árabes permaneceram dentro da área que se tornou Israel em 1948. Centenas de milhares de outros tinham fugido para o Líbano, Síria, Jordânia e as partes da Palestina que permaneceram sob controlo árabe.

Antes de 1948, Gaza tinha cerca de 80 000 habitantes, mas a população quase triplicou com um afluxo de mais de 200 000 refugiados.

Imediatamente após a guerra de 1948, Israel estabeleceu um governo militar nas áreas do novo Estado judaico onde permaneceram palestinos. O seu objectivo era impedir o regresso dos refugiados. Até à crise do Suez de 1956 as forças israelitas mataram milhares de refugiados palestinos que tentavam regressar às suas casas dentro de Israel. Apenas um número ínfimo dos pedidos de palestinos que procuravam reunificação com familiares dentro de Israel foi aprovado.

Um projecto colonial

A guerra de 1967 revelou a natureza colonial do movimento sionista. Em vez de trocar terras pela paz, conforme preconizava a Resolução 242 da ONU, Israel começou a encorajar os seus cidadãos a mudarem-se para os territórios que ocupava e a apoiá-los materialmente. O resultado da guerra reforçou a crença dos sionistas religiosos e messiânicos de que tinham direito à Terra Santa na sua totalidade.

Apenas um ano após a guerra, foram construídos seis colonatos israelitas nos Montes Golã sírios. Em 1973, Israel tinha estabelecido 17 colonatos na Cisjordânia e sete na Faixa de Gaza. Em 1977, cerca de 11 000 israelitas estavam a viver na Cisjordânia, na Faixa de Gaza, nos Montes Golã e na Península do Sinai.

Apesar de muitas resoluções da ONU exigindo a sua retirada, Israel continuou a ocupar todos os territórios excepto a Península do Sinai, de onde se retirou-se em 1982, na sequência de um tratado de paz com o Egipto.

Em 2005, Israel retirou as suas tropas e colonos de Gaza como parte de um plano de retirada unilateral do então primeiro-ministro Ariel Sharon.

Durante todo este tempo, desde 1967, Israel tem vindo a construir ilegalmente casas e a transferir os seus cidadãos judeus para a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, em terras palestinas roubadas. Actualmente, pelo menos 600 000 israelitas vivem em colonatos só de judeus espalhados pela Cisjordânia e Jerusalém Oriental.

Os colonatos, que são acompanhados por estradas e infra-estruturas construídas especialmente para os colonos, controlam pelo menos 40 por cento da superfície da Cisjordânia. Como tal, Israel criou uma realidade de apartheid nos territórios palestinos em que israelitas e palestinos vivem sob um sistema que privilegia os judeus em detrimento dos não judeus.

Um sistema de apartheid

«As autoridades israelitas estão a cometer os crimes contra a humanidade de apartheid e perseguição», disse a organização internacional de direitos humanos Human Rights Watch, sediada nos Estados Unidos, num relatório divulgado em 27 de Junho de 2021. «A acusação tem por base uma política global do governo israelita para manter o domínio dos israelitas judeus sobre os palestinos e os abusos graves cometidos contra os palestinos que vivem no território ocupado, incluindo Jerusalém Oriental.»

Já este ano, em 1 de Fevereiro, a Amnistia Internacional publicou um extenso relatório intitulado Israel’s Apartheid against Palestinians: Cruel system of domination and crime against humanity (Apartheid de Israel contra os Palestinos: Sistema cruel de dominação e crime contra a humanidade) em que confirma que o regime de Israel contra todo o povo palestino configura o crime contra a humanidade de apartheid.

Um relatório da Comissão Económica e Social das Nações Unidas para a Ásia Ocidental (ESCWA), publicado em 15 de Março de 2018, concluíra que Israel era culpado «além de qualquer dúvida razoável» de impor políticas de apartheid contra os palestinos, exortando a comunidade internacional a respeitar a sua «obrigação legal» de punir tais medidas discriminatórias.

António Guterres, secretário-geral da ONU, declarou que o relatório fora publicado sem consultar o secretariado da organização e «não reflecte as opiniões do secretário-geral». Pediu que o relatório fosse retirado do website da ESCWA, o que levou à demissão da subsecretária-geral, Rima Khalaf, que dirigia a ESCWA.


Foto: Refugiados palestinos da Guerra de 1967 na Ponte de Allenby, rumo à Jordânia (UNRWA)

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